- Irmão: quando a dor aperta chora até à exaustão. Chora tanto que as tuas lágrimas mais as minhas lágrimas formem um rio ou um oceano. Pega nas mãos doloridas, sôfregas, trêmulas e constrói uma jangada, uma canoa, um barco com os cacos da vida esparsos à tua volta. Lança a embarcação no mar das tuas lágrimas e navega sereno até ao horizonte das estrelas. Não desperdices nunca o calor e a força do teu pranto. É preciso não vergar. Aguentar o peso de cada hora e de cada dia que passa é o destino do homem. Mesmo na canção da dor há uma estrofe de esperança. Cada dia tem a sua história.
Trecho de Ventos do Apocalipse, da escritora moçambicana Paulina Chiziane. O livro conta a história da "guerra civil" (como Europa e Américas quiseram chamar) pós-colonialista em Moçambique.
Este trecho é especialmente marcante, dito pelo chefe do grupo de refugiados quando são finalmente acolhidos em uma vila, após 21 dias fugindo pela mata depois de um massacre.
É preciso fazer da dor o seu mar e a sua jangada, é preciso acreditar que depois da guerra há esperança.
Outra parte do livro que eu gostei muito foi o encontro de um casal. É bem simples, eles procuram um lugar na mata longe da vista das pessoas para ficarem juntos. A escritora chama de "riso de liberdade" esse momento. Para um povo que teve a liberdade privada na colonização e que, depois da independência, teve que lutar para definir suas identidades, a liberdade ganha outro sentido. Esse momento dos amantes sozinhos é a liberdade mais pura.
“Vamos vaguear no caminho, vaga-lumes no esplendor dos campos enegrecidos pela noite, nas sombras medonhas das figueiras, porque seremos os únicos habitantes da terra. Vem, coração, as cigarras oferecem-nos esta música de paz. Encontram-se. Wusheni ergue os braços, duas asas negras balançando nas nuvens. Dambuza levanta-a, fardo leve, doce, precioso.”
