segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

vapor d'água

Na manhã seguinte eu acordo primeiro, mas fico deitada ao seu lado, com preguiça de sair da cama. Ta calor demais, o quarto ta bastante claro, mas ainda to com uma ressaquinha daquela caminhada noturna. Você acorda, mal me dá bom dia com hálito de sono e já retoma a conversa da noite anterior. Uau, como você gosta de falar.
Abro a janela e o sol ta bem alto lá fora, o céu ta bonito com algumas nuvens, mas a gente ainda prefere ficar vendo tudo isso daqui de dentro. A gente sabe bem como o mundo é diferente fora do quarto.
A gente continua dando risada por pouco, conversa sobre as bobeiras que vão cercando sem pedir licença e quando a gente cai, sem querer, no assunto proibido das mudanças, você fica em silêncio por um segundo olhando as nuvens pela janela. Eu olho pra mesma direção que você, sentindo minha cabeça subir e descer, encostada no seu peito, no ritmo da sua respiração. E antes que tudo fique silencioso demais, você inventa uma música boba sobre mudanças e nuvens passando. Eu invento o refrão e você ri da minha voz, diz que eu não sei cantar. E eu canto ainda mais alto pra te provar que faço qualquer coisa bem.
E só quando a gente não aguenta mais de fome é que você prepara aquele macarrão que já é um clássico entre nós, principalmente porque você erra a receita. Dessa vez você acerta o molho e no resto do dia eu ouço observações sobre as suas habilidades culinárias e do quanto a prática leva à perfeição. Você diz que tem treinado na preparação desse molho e eu, por algum tempo, esqueço desse acordo de que tudo se resume ao que somos e fico imaginando você cozinhando.
Voltamos à nossa brincadeira antiga de procurar bandas bizarras no Soulseek. Neste dia encontramos a nossa preferida de todos os tempos. Aqueles riffs que virariam mais uma de nossas lendas e a base pra música que a gente fez de manhã.
O sol já está mais baixo, nem está mais tanto calor, e a gente continua rindo à toa. Seus braços continuam quentes e a sua pele ainda ta cheirosa. Então a gente se prepara pra sair, agora já escureceu totalmente, e você dá opiniões sobre meu cabelo, meus sapatos e até minha maquiagem e eu faço tudo ao contrário do que você sugere. Parte pra te provocar e parte pra te fazer provar que acha mesmo que sou bonita de qualquer jeito.
À noite o universo não somos nós dois: minhas amigas, seus amigos, a cerveja, a tequila, a mesma balada que íamos sozinhos, a luz piscando, a música, as meninas passando, os caras passando, o dj, os cartazes, a fila do banheiro e nós dois.
De manhazinha paramos todos na padaria e assim, sentada de frente pra você, eu vejo como seus olhos ficam ainda mais bonitos de manhã, com uma luz ainda meio alaranjada e um pouco de lágrimas de ressaca. Você ta descabelado e me dá um sorrisinho de boca fechada e uma piscadela de cumplicidade.
A gente chega tão cansado que dorme com tanto calor e sem tomar banho. A sua respiração embalando meu sono. É tão bom acordar no fim da tarde e você já está acordado, me abraçando e lendo o livro que deixei ao lado da cama na sexta-feira. Eu abro os olhos e você está com aquele olhar de concentração, a boca um pouco aberta e eu te abraço tão forte, será que suas costelas vão estalar?
Você sorri, comentamos sobre o livro e a conversa chega à sessão de fotos, à viagem cancelada e, pela primeira vez, terminamos a conversa com aquele já velho conhecido “é, você tem razão”, “sim, eu sei”, “melhor assim”, “que bom”. O jogo na tv já está acabando e o nosso time perdendo mais uma vez.
Então a gente toma banho, come pizza com cerveja, as crianças gritam e correm pela pizzaria, a gente faz mais um passeio noturno e não rimos tanto quanto no dia anterior. Você me paga um sorvete, faz galanteios adolescentes, me olha assim meio de lado, imita meu ex-namorado, e a gente lembra do dia em que se conheceu, repete diálogos, ri das loucurinhas que cometemos e, como naquele dia, saímos correndo de mãos dadas, não olhamos pra trás, paramos ofegantes e então lembramos do seu olho roxo.
Na volta pra casa já está mais fresco, sua camiseta branca tem um furo no ombro. Meus braços dão a volta em você todo, seu cheiro é assim bom o tempo todo. Você me olha nos olhos e eu sei que é domingo à noite.
Depois das músicas, respirações e segundos de silêncio, a gente dorme abraçado mais uma vez e quando eu acordo, segunda-feira, você já foi embora. Não podemos contar um com o outro durante a semana.