(...) a confissão passou a ser, no Ocidente, uma das técnicas mais altamente valorizadas para produzir a verdade. Desde então nos tornamos uma sociedade singularmente confessanda. A confissão difundiu amplamente seus efeitos: na justiça, na medicina, na pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, na esfera mais cotidiana e nos ritos mais solenes; confessam-se os crimes, os pecados, os pensamentos e os desejos, confessam-se passado e sonhos, confessa-se a infância; confessam-se as próprias doenças e misérias; emprega-se a maior exatidão para dizer o mais difícil de ser dito; confessa-se em público, em particular, aos pais, aos educadores, ao médico, àqueles a quem se ama; fazem-se a si próprios, no prazer e na dor, confissões impossíveis de confiar a outrem, com o que se produzem nos livros. Confessa-se -- ou se é forçado a confessar. Quando a confissão não é espontânea ou imposta por algum imperativo interior, é extorquida; desencavam-na na alma ou arrancam-na ao corpo. (...) Tanto a ternura mais desarmada quanto os mais sangrentos poderes têm necessidade de confissões.
(...) passou-se a uma literatura ordenada em função da tarefa infinita de buscar, no fundo de si mesmo, entre as palavras, uma verdade que a própria forma de confissão acena como sendo inacessível. Daí também, essa outra maneira de filosofar: procurar a relação fundamental com a verdade, não simplesmente em si mesmo -- em algum saber esquecido ou em um certo vestígio originário -- mas no exame de si mesmo que proporciona, através de tantas impressões fugidias, as certezas fundamentais da consciência. (...) já está tão profundamente incorporada a nós que não a percebemos mais como efeito de um poder que nos coage; parece-nos, ao contrário, que a verdade, na região mais secreta de nós próprios, não "demanda" nada mais que revelar-se; e que, se não chega a isso, é porque é contida à força.
M. Foucault,
história da sexualidade 1: a vontade de saber
